sexta-feira, 30 de julho de 2010

#3 Tardes de menina


.     Clarice estava radiante com a nova boneca que acabara de ganhar e que completava a sua coleção de Barbies - O emprego do século, onde cada uma tinha uma profissão, o que fazia ela, mesmo tão pequena, pensar no que queria ser quando crescer. No começo pensou em ser advogada, mas então ganhou a boneca veterinária e já queria ser veterinária... Era sempre assim, ganhava uma boneca nova e pronto, trocava de "emprego" rapidinho. Mas aquela boneca era especial, era escritora, e, Clarice curiosa como sempre perguntou:
-Vovó, o quê uma escritora faz?
-Ela escreve livros, meu bem. Iguais aquele que a vovó lê para você antes de ir dormir.
-Sério? Eu quero ser escritora então vovó...
.     Dona Elizabeth pensou que, se a neta herdasse a determinação de sua mãe, ela com certeza seria escritora mesmo. Adorava a ideia de ter uma neta escritora e se divertia muito quando lembrava das caretas que ela fazia quando se referia ás suas histórias, de como seriam. "Ah vovó, vão ser as melhores, a senhora duvida?"
.     Clarice nem sabia direito o quê ela escreveria em seus livros no futuro, mas ela simplesmente não parava de pensar naquela profissão, era algo muito especial para ela e ficou fascinada com a possibilidade de escrever histórias, que ela tanto gostava; mal sabia ela o que o tempo lhe aguardava...

.                                                                     ***
.     Um pouco antes do entardecer, Clarice se divertia muito com sua amiguinha Martina, não viu o tempo passar, estava tão feliz porque uma nova luz se acendeu em sua pequena mentezinha infantil: "Eu vou ser escritora." Pensava ela a todo instante.
-Tina, você não quer comer alguma coisa? Eu estou morrendo de fome.
-Sim, eu também, mas antes eu quero te contar uma coisa.
-Conta, conta.
.     Clarice agora com os olhinhos castanhos-claro brilhando, não podia se conter. Martina olhou para ela e viu a curiosidade estampada nos olhos da amiga, deu um risinho e continuou:
-Assim, sabe o João? Ele me deu uma flor linda e um beijo.
-Sério?? Mas beijo aonde Tina?
.     Um tanto ríspida, Martina respondeu-lhe como se estivesse falando sobre um crime de Estado:
-Na bochecha né, você sabe que nós não podemos namorar ainda, somos crianças!
-Ai Tina, eu só fiquei curiosa, não precisava ser tão brava!
.     Clarice quase quis esboçar uma carinha de choro, mas antes Martina percebeu e logo se desculpou.
-Desculpa Cacá, eu não quis te magoar.
-Não foi nada sua boba! Vamos lanchar logo.
-Aham!

.                                                                      ***

.     E assim, Clarice continuava sua vidinha infantil, sem preocupações e a cada dia se sentia melhor quanto ao seu futuro. Mesmo sendo naquelas alturas ainda uma criança de cinco anos, ela era muito esperta e até muitas vezes subestimada, até mesmo por seus familiares, que ignoravam o fato de uma criança poder ser tão atenta á fatos de seus cotidianos.
.     Naquela tarde, seu tio Augusto havia prometido de levar Clarice ao clube para ela matar a vontade de tomar banho de piscina.
-Tio, será que eu vou poder ir na piscina grande? Eu estou cansada de ficar naquela coisinha para bebês.
-É claro que pode Clarice, mas somente se você souber nadar.
-Tio, é claro que eu sei nadar! Eu aprendi com a minha amiga Martina, lembra?
-Tudo bem, mas eu vou ficar aqui perto para te cuidar. Caso aconteça alguma coisa, eu ainda posso te salvar. Já pensou? O quê eu diria a sua mãe? Eu não quero nem pensar...
-Calma tio, eu vou ficar bem.
.      Com uma piscadela, Clarice deu um biquinho na piscina, feliz por poder usufruir um pouco de liberdade, mesmo que fosse apenas uma piscina. Aproveitou a tarde toda, até que viu uma coisa que a perturbou muito. Saindo da piscina, foi falar com o tio, que naquele momento estava recostado sobre a grade de proteção conversando com um amigo, e com uma latinha de cerveja na mão.
-Tio, eu não acredito, você está tomando cerveja! O vovô já não lhe disse que não queria mais saber de você bebendo por aí?
-Pare Clarice! Isso aqui não é cerveja, é guaraná.
-Você pensa que eu sou boba é? Eu sei, eu vi essa cerveja aí na propaganda, essa é aquela que desce redondo!
.     Augusto, muito desconfortável com as afirmações da sobrinha, não sabia o que responder. Seu amigo não se conteve e caiu na risada. Augusto mal podia acreditar em que situação aquela menininha de cinco anos o havia metido. O certo é que subestimara a inteligência e atenção daquela pequena pessoa.
-Mentira!
-Ah, é? Então se é guaraná, me dá um gole?
-Não.
-AH! Eu sabia! Viu, isso aí é cerveja sim, lá-ra-la-la-la! E eu vou contar tudo para o vovô!
.     Clarice saiu correndo em direção ao banheiro feminino para trocar de roupas e quase não podia respirar de tanto que ria. Estava imaginando o quanto seu tio estaria preocupado que ela fosse contar tudo ao seu avô. Estava tão distraída que acabou esbarrando em uma senhora. "Me desculpe, senhora." Entrou no vestiário, trocou-se rapidamente e foi ter com seu tio.
-Tio, eu sei que o senhor é um homem de negócios - Riu-se, e deu uma piscada para o tio - se o senhor me der alguma coisa em troca, eu não conto nada para o vovô.
-Está me chantageando é, Clarice?
-O mundo é para os espertos.
.     Augusto não conseguia conceber a audácia daquela criança e começava a se preocupar mais ainda. "Será que essa menina está indo pro mau caminho?" Um longo suspiro para dar-lhe tempo de pensar, e logo depois completou.
-Está bem, me diga o que você quer.
.     Clarice, esboçando um risinho de felicidade e de vitória, disse:
-Eu quero que o senhor me dê aquele jogo de bonecas da Bonecas Maravilha, aquelas da tevê, que tem nenénzinhos que choram, riem e pedem para os trocar de fraldas e dar de mamar.
-Mas meu deus Clarice, estas bonecas são muito caras!
-Eu sei. Mas como o senhor é um homem muito honesto e bondoso, tenho certeza que dará o prazer á sua sobrinha de brincar com essas maravilhas.
.     Até mesmo Clarice espantou-se do quanto havia sido irônica e maldosa. Porém sentiu pena do tio, afinal aquelas bonecas eram realmente muito caras, não faria aquilo com seu tio. Mesmo ele fazendo as coisas erradas era um bom homem e sempre a tratara muito bem.
-Tá legal tio, pode ficar tranquilo, não vou contar nada para o vovô. Você perdeu de ver a sua cara de espanto.
-É sério Clarice? Não está me aplicando de novo, não é?
-Não tio, claro que não. Isso foi só para te dar um susto pra aprender a não desobedecer o seu pai. Mas dá próxima vez eu vou contar, okay?
-Tudo bem Clarice, você venceu. Eu prometo não fazer mais isso.
-Então tá...
.     Augusto aprendera naquele dia que nunca poderia subestimar uma criança de cinco anos, afinal, elas parecem ingênuas, mas são muito espertas. Quase não acreditava no que tinha acontecido, a ponto de ficar a mercê de uma criança. Olhava a sobrinha, que estava alegre e radiante como sempre, cantarolando algo que não sabia o que era, uma língua que não conhecia. "Essas crianças de hoje... Como eu estou ficando ultrapassado!"
.     Clarice estava começando a lidar com o mundo dos adultos e aquilo a impressionava. Não podia imaginar a dimensão daquilo que acabara de fazer, mas sabia que era algo muito importante. Aquilo estava fazendo um prenúncio do que seria quando fosse adulta: uma mulher muito responsável. Mas não deu muita importância, estava pensando numa visita que receberia logo mais, á noite...


#'ll be continue...

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