terça-feira, 19 de outubro de 2010

#4 A Visita



.    Clarice tomou um banho bem tomado, passou o perfume que tinha ganhado do seu tio Sérgio, vestiu o seu vestido mais bonito, e pediu para sua mãe Maria arrumar um laço rosa no seu cabelo, para combinar com seu vestido lilás. Sua mãe fez menção de perguntar o porquê de toma a arrumação já que seria apenas um jantar entre amigos, mas achou melhor nem discutir com a filha, sabia que não venceria:
-É porquê eu quero me vestir bem mamãe, faz tempo que a gente não sai, eu estava com saudade de usar esse vestido.
-Tá bom Clarice, me mente mais, eu sei que é por causa do Victor.
-Não é! Ele é um bobão, eu só quero usar esse vestido e pronto.
-Então veremos...
.    E não era mesmo. Clarice odiava Victor, filho de Mariana, amiga de sua mãe. Era um menino metido que sempre queria se sobressair sobre os outros em todas as brincadeiras. Clarice as vezes pensava como uma mulher tão simpática e simples como Mariana teve um filho tão arrogante e cheio de si. Talvez não soube corrigir quando necessário, pensou Clarice.

***

.    Todos na sala de visitas, com o famoso chimarrão típico dos gaúchos tradicionalistas, todos estavam alegres e conversavam além da conta. Até que Maria anunciou que o jantar estava á mesa. Em poucos minutos todos estavam reunidos ao redor da grande mesa de churrascos de seu João, saboreando um delicioso jantar feito pelas mãos de fada de Maria. O casal Sierra adorava receber as pessoas em sua casa, serviam do bom e do melhor para todos, sempre foram muito simpáticos, corretos, o que despertou a inveja de muitos, pois de nada podiam acusar aquele bondoso casal. Os amigos de verdade são poucos, mas são os melhores para a família Sierra; os Schutter, os da Silva e os Okzinsky sempre foram os que estiveram com eles nos momentos bons e ruins, e João e Maria agradeciam a Deus todos os dias por terem amigos como eles.
.     Aquela noite não foi muito agradável para Clarice. Ela queria ter conversado com Martina, sua amiga, mas ela estava doente e não veio acompanhar os Schutter no jantar que a mãe de Clarice preparara. Ela também não estava muito bem, estava com dor de cabeça e foi deitar cedo.
.     Seguidamente Clarice tinha aquele sonho... não sabia o que era. Sempre acontecia assim:

Um senhor velho, de roupa branca sempre a estava observando.
Ela estava em um lugar muito bonito, cheio de flores, borboletas e pássaros e ao lado corria um riacho.
Clarice não podia ver o rosto daquele senhor,
mas sentia que ele era um protetor seu e que ele queria falar algo a ela.
Quando ele se aproximava, algo acontecia e o sonho acabava...

.     Mas aquele dia foi diferente. Aquele senhor de branco não apenas falou com ela, como deu a sentença:

-Clarice, eu estive esse tempo todo cuidando de você. Você sabe, sempre me viu aqui. 
Mas agora eu lhe direi, que tenho algo para você fazer daqui a alguns anos, quero que você se prepare, se esforce, leia tudo que estiver no livro que te deixarei. Não se esqueça de mim nem mesmo por um minuto, eu sempre estarei aqui, quanto você precisar é só chamar.
Você ainda está em tenra idade, mas o que tenho para você é muito grande, e o que te peço para fazeres agora é: estude, leia bastante, construa o seu conhecimento e nunca esqueça o que lhe digo; assim, você vai viver bem, e te mostrarei coisas ocultas que você ainda não conhece.

.    Clarice acordou com o coração aos pulos. Nunca imaginou que aquele velho queria algo com seu futuro, mal acreditava no que tinha acontecido. Aquele sonho foi muito real e as palavras do homem ainda ecoavam como suspiro em sua mente; aquelas palavras a enchiam de felicidade e exultação, mas de medo também. Sabia que agora ela tinha uma missão, e que deveria ser seguida passo a passo. Mas cadê o tal livro que o vôzinho disse? Clarice olhou para a escrivaninha de seu quarto, ficou estarrecida com o que viu, seu rosto empalideceu. O Livro estava ali. Ele tinha um nome o qual Clarice não podia ler, pois fugia do seu entendimento, não tinha dedicatória, e estava dividido em 66 outros livros. Clarice se assustou mais ainda, entretanto seus olhinhos brilharam ao lembrar do que o homem havia dito: "Leia tudo o que estiver no livro que te deixarei". Mal podia acreditar, talvez fosse um sonho.
.     No outro dia logo cedo, sentada á mesa para o café da manhã, Clarice perguntou a sua mãe:
-O mãe, a senhora por algum acaso comprou um livro e deixou na escrivaninha do meu quarto quando eu tava dormindo?
-Não minha filha, o último livro que comprei foi á um mês atrás e eu o dei ao seu pai.
-Ah, bom...
-Por quê? Acordou com um livro na sua escrivaninha? - A mulher riu-se, continuando seus afazeres-.
-Não nada, é que ontem eu tive um sonho, e nesse sonho um homem velho de branco falou comigo e disse pra mim ler um livro que ele ia me deixar, e eu acordei e tinha um livro muito esquisito na minha escrivaninha. Não acreditei, pensei que você o tivesse posto lá.
-Para de historinhas Clarice, virou o Pinocchio agora foi?
-Então olha!
.     Clarice lhe mostrou o livro de capa preta de dimensões 28x14, e na mesma hora Maria parou de rir e ficou muito séria, sem acreditar no que via.
-Deixa eu ver.
-Mas mãe, não adianta, eu ja tentei ler, revirei esse livro e só tem essa escrita esquisita que eu não consigo nem ler mal e mal.
.     A mulher olhou e achou muito esquisito, sentiu um arrepio passageiro e disse:
-Muito cuidado minha filha, isso pode ser perigoso.
-Tá bom mãe.

***
.     Passou-se algumas semanas e nada, Clarice tentou ler de tudo que foi jeito aquele livro mas não conseguiu, colocou de cabeça para baixo, na diagonal e nada. Sentada em sua escrivaninha, onde passava as tardes lendo livros infantis que sua mãe lhe comprava, desde que aprendeu a ler, quando tinha 4 anos; Clarice suspirou:
-Ah senhor-da-roupa-branca! Eu não faço ideia de como ler esse livro, é uma língua que não conheço e não sei como fazer. Me ajude.
.     Na mesma hora, Clarice, folheando o livro, parou em uma página em que havia um trecho escrito em português. Isso mesmo, em português! Clarice não acreditou, afinal parara naquela página muitas vezes e não tinha absolutamente nada escrito em português. Como então... ? O trecho dizia assim:

"Enquanto eu olhava,

Tronos foram colocados,
e um ancião se assentou.
Sua veste era branca como a neve;
o cabelo era branco como a lã.
Seu trono era envolto em fogo,
e as rodas do trono
estavam em chamas.
De diante dele,
saía um rio de fogo.
Milhares de milhares o serviam;
milhões e milhões estavam diante
dele.
O tribunal iniciou o julgamento,
e os livros foram abertos."

.    Clarice não entendeu absolutamente nada do que estava escrito, também pudera. Aquele trecho a encomodou, ela não conseguia entender... Bom, o tempo o faria por si mesmo. Talvez melhor preocupar-se com outras coisas. Clarice fechou o livro e o guardou em seu baú com fechadura, colocando-o dentro de sua gaveta da escrivaninha, guardou a chave, arrumou a cadeira no lugar, apagou a luz e saiu do quarto. "O tempo irá dizer". Clarice sabia que no tempo certo entenderia aquilo e o resto, agora era cedo...



#Continue